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A ECONOMIA DE LIMEIRA ATRAVÉS DOS TEMPOS

Tanto quanto o presente é conseqüência do passado, o futuro resultará do que se faz no presente e, assim, é recomendável que estudemos o passado para compreendermos o presente, tanto quanto é necessário que avaliemos o presente para tentarmos construir um futuro.

Em se tratando das atividades econômicas desenvolvidas em Limeira, a afirmação do primeiro parágrafo torna-se mais do que evidente, torna-se a realidade sentida na própria pele do povo.

As atividades econômicas de Limeira tiveram seu início logo na fundação do vilarejo do qual surgiria a cidade e estiveram em sintonia e alinhamento com o que se passava no restante do Brasil, ou seja, no século XIX o país era essencialmente agrícola e por aqui não havia nenhuma outra atividade geradora de renda significativa que não fosse a agricultura, notadamente o Café. A Europa vivia a Revolução Industrial, mas o Barão de Mauá, pioneiro da industrialização brasileira, só tomaria suas primeiras iniciativas vários anos depois do surgimento do nosso vilarejo.

Limeira começa a ingressar na industrialização na virada do século XX, com fábricas pequenas, voltadas para o maquinário agrícola e, através do gênio do Dr. Trajano de Barros Camargo, um visionário empreendedor, firma sua presença no cenário nacional da Indústria Brasileira por volta dos anos 20.

A crise dos anos 30, iniciada com a quebra da bolsa de Nova Iorque, em outubro de 1929, leva muitos agricultores a abandonar a cultura do café e confere maior pujança à laranja, enquanto que, na área industrial, empreendedores criam ou fazem fortalecer empresas que se projetariam no cenário nacional, como Prada, Zaccaria, D’Andréa, Camillo Ferrari, Buzolin, Lucato, dentre outras.

As casas comerciais, como se chamavam ás lojas, correspondiam ao nível de atividade econômica da cidade e algumas delas marcaram épocas, como a Casa Farani e o Armazém do Sr. Manoel Francisco, típicos de uma cidade pequena que se esforçava para crescer.

Até meados da II Guerra Mundial a economia de Limeira se baseava na cultura e processamento da laranja, com unidades produtivas importantes, como a da Citro-Brasil, gerando centenas de empregos nas épocas de safra, e indústrias relacionadas com a agricultura, produzindo máquinas e equipamentos para o processamento de produtos agrícolas.

Ainda na década de 30 surgia uma pequena oficina, fundada por um ourives Português – Sr. João Cardoso – que viria a contribuir consideravelmente para o que é hoje o maior aglomerado de fabricantes de jóias folheadas da América Latina.

O pós guerra viu surgir em Limeira outras empresas que viriam, nas décadas seguintes, colocar a cidade no cenário econômico mundial, como Varga, Fumagalli, Burigotto, Galzerano, Rossi, Rocco, Invicta, Penedo e Newton, para citar as maiores e, vale lembrar, o exemplo do Dr. Trajano, tanto quanto as oportunidades que seu empreendimento proporcionou para jovens da comunidade, possibilitou o aparecimento de tantas fábricas no ramo da metalurgia e da mecânica que a cidade, nos anos 60 e parte dos 70, viveu quase que no pleno emprego, atraindo mão de obra de diversas regiões do país, em variados níveis de especialização.

Apenas para recordar e compreender o presente, no início dos anos setenta, algumas das opções para quem buscasse um emprego e desejasse trabalhar em fábricas com mais de duas centenas de funcionários eram: Camillo Ferrari, Calçados Buzolin e Cia.
Prada – todas na área de calçados, empregando, cada uma, centenas de pessoas; Lucato, D’Andréa; Zaccaria, Invicta, Penedo, Newton, Rocco e outras, na fabricação de máquinas; Varga, Fumagalli, Mastra, Irmãos Galzerano e outras, no ramo de auto peças; Gullo, Degan e União Jóias em jóias e folheados; Burigotto, Galzerano e Rossi produzindo seus carrinhos; Ripasa, Limeira S/A, Fer-Dan e outras atuavam no Papel; União, Citro-Suco e Ajinomoto no ramo de alimentos; estas eram várias das empresas que empregavam, cada uma, centenas de limeirenses, o que evidenciava o caráter empreendedor deste nosso povo e a capacidade das lideranças empresariais em aproveitar a proteção do mercado interno dada pela política de substituição de importações iniciada nos anos JK e mantida com alterações pequenas pelos militares.

Na agricultura a cidade se orgulhava de lideranças como os irmãos Catapani, João e Francisco Senra, as famílias Dragone, Paggiaro e Fortes, além de Sylvino de Casto e outros empreendedores ligados ao campo. O comércio florescia como resultado das iniciativas de Gino Batiston, Raphael Corrêa, Wail Brigatto e outros. Enfim, fosse no comércio, na agricultura ou na indústria, o que não faltou a Limeira foi o espírito empreendedor convertido em iniciativas reais pelas mãos de líderes incontestes.

Enquanto tudo isso acontecia por aqui, na economia mundial podia se observar que a Era da Indústria como rápida geradora de riqueza e renda terminava e o mundo adentrava a Era da Informação e dos Serviços, que ainda está chegando a Limeira. Foi este cenário de transformação, que passou despercebido ou ignorado tanto pelos políticos quanto por muitos empresários, fazendo com que várias das grandes empresas de Limeira desaparecessem nos anos 90, que serviu e serve de pano de fundo para um planejamento ainda aguardado pelo povo Limeirense. O mundo vem mudando velozmente e continuará a mudar cada vez mais rapidamente e aqueles que não percebem isto correm o risco de ficar fora da história.

A mesma legislação que incentivou o nascimento de indústrias através da substituição de importações e proteção ao mercado interno, acabou fazendo com que muitos empresários “dormissem em berço esplêndido”, deixando de investir em inovação e pesquisa, passando a imaginar que competência gerencial fosse algo geneticamente transmitido e ignorando o valor do conhecimento e da educação oferecida por boas Escolas. Isto viria a afetar profundamente o perfil econômico da cidade nos anos 90.
É necessário observar o que acontece na Economia em termos de ciclos, olhando o quadro amplo, para se entender o que aqui ocorreu e continua a ocorrer: Por centenas de anos a atividade geradora de riqueza mundial foi a agro-pecuária – alimentar seu povo era crucial para uma nação – e assim, cada unidade monetária investida na agricultura ou pecuária podia gerar, em certo período de tempo, diversas unidades de renda e um determinado número de empregos. Isto vigorou até o final da Idade Média, quando o desenvolvimento tecnológico (bússola, etc.) possibilitou o surgimento de uma outra atividade enriquecedora – o mercantilismo – sempre mantendo-se em mente que risco é igual a oportunidade, ou seja, a atividade que possibilita grandes e rápidos ganhos geralmente oferece proporcional risco de rápidas e grandes perdas. Dinheiro investido no comércio poderia, naqueles séculos, gerar maior riqueza e em velocidade maior do que o mesmo investimento na agricultura.

Por volta do início do século XIX a tecnologia novamente muda o cenário econômico mundial dando palco para a Revolução Industrial, nos países centrais, momento em que, no Brasil tanto quanto em Limeira, ainda vivíamos na era da agro-pecuária como principal fonte geradora de riquezas.

A II Grande Guerra mostrou que produzir não era o diferencial – saber, estar informado – este era o diferencial. Americanos e Ingleses decifraram, logo no início do conflito, os códigos de comunicações de Japoneses e Alemães, antecipando operações e vencendo, com a combinação de tecnologia e produção em escala, batalha após batalha.

Estando o Brasil tecnológica e economicamente defasado em relação aos países centrais, e estando Limeira inserida em tal contexto nacional, a cidade viu surgir grandes indústrias ao longo das décadas de 40, 50, 60 e até meados dos anos 70. Todavia, o não acompanhamento das mudanças em nível mundial, a incapacidade de se perceber tendências e, até quem sabe, a falta de humildade para reconhecer que um bom líder deve estar continuamente estudando, tudo combinado fez com que o perfil econômico de Limeira se alterasse, como era de se esperar, mas sem conseguir acompanhar o que se passava no resto do mundo.

Basta ler os parágrafos anteriores para se perceber que inúmeras indústrias, empregadoras de centenas de operários, simplesmente desapareceram. Mais de uma dezena de fábricas de calçados, três delas líderes nacionais de mercado e exportadoras habituais por anos a fio, deixou de existir e de empregar. Fabricantes de máquinas e ferramentas que dominavam o mercado acabaram falindo e há mais de vinte anos não se vê surgir grandes empregadores no município. O maior dos fabricantes de jóias mal chega a duas centenas de empregos. O que teria acontecido?
É sabido que a tecnologia faz com que se use cada vez menos mão de obra na indústria, mas bem que novos empreendimentos em outras áreas poderiam surgir e trazer vagas.

Os maiores empregadores privados há 30 anos eram fábricas, hoje são empresas comerciais (Sempre Vale, por exemplo) e de serviços, mostrando que, ao menos em parte, Limeira acompanhou as alterações econômicas mundiais. A fonte geradora de emprego e renda migrou de um setor para outro, porém, em Limeira isto aconteceu em uma velocidade menor do que em outras cidades do país.

Indicadores diversos, como a posição da cidade na arrecadação de IPI e ICMS, podem mostrar que há 30 anos Limeira tinha uma representatividade bem mais significante.
Os indicadores sociais confirmam o que se passou na economia: recente estudo divulgado mostrou que Limeira tem 27% da população abaixo da linha de pobreza, quando a média do estado de S. Paulo é 22%. Outros dois estudos, da PUC –SP e da FGV mostraram, em 1999, que 75% das famílias de Limeira tinham, em 1998, renda familiar entre zero e cinco salários mínimos. Não há dúvida que é difícil fazer um shopping decolar em uma cidade com este perfil. Mas, novamente, o que houve?
Perdemos o bonde da história – ao menos em parte. Nos países centrais há muito que a indústria deixou de ser a principal geradora de renda e empregos – e Limeira até hoje não fez um único distrito industrial e nem é bom que se faça, pois a era da indústria já passou.

Houve um suspiro de revitalização industrial no país quando do lançamento e implementação do plano automotivo: entre 1992 e 2002 nada menos do que perto de uma dezena de novas montadoras de veículos se instalaram no país. Quantas em Limeira ? No mesmo período empresas de equipamentos para telecomunicações e computadores, como Motorola, Nokia, HP, Compaq e outras vieram para o Brasil. Quantas em Limeira ?

Nem tudo está perdido, porém. Assim como da iniciativa do Dr. Trajano surgiram muitas outras fábricas, os pioneiros da jóia, como Cardoso e Gullo, possibilitaram o surgimento de várias outras fábricas e o conhecimento em ferramentaria, estamparia, fundição e galvanoplastia, trazido pelos fabricantes de auto peças, uniu-se ao domínio da tecnologia do ouro e hoje temos, como chamaria o professor Michael Porter, o maior “cluster” de jóias folheadas da América Latina.

Pequenos empreendedores têm conseguido manter o comércio da cidade bastante ativo e com opções para o consumidor, embora a cidade continue com um terço de shopping center funcionando no centro e menos de um quarto funcionando na Anhanguera.

A cidade assistiu passivamente a mudança das fontes de geração de riquezas das dezenas de grandes fábricas que empregavam centenas, para centenas de fábricas que empregam dezenas, sem que, contudo, houvesse iniciativas no sentido de se buscar novos investimentos e novos empreendedores em outras áreas como serviços, educação e comércio. Tais mudanças deram origem a uma forte economia informal, talvez em proporções até maiores do que ocorre no resto do país.

Progredimos, é verdade – hoje temos inúmeros cursos em nível universitários, alguns com classificação A e B pelo MEC, formadores de uma mão de obra que, infelizmente, terá que trabalhar em outras cidades, pois não há tantas vagas gerenciais em Limeira.
É necessário que tomemos referenciais, cidades como Ribeirão Preto, Jundiaí, Campinas, Piracicaba e outras, para podermos ver que ainda existem enormes possibilidades para Limeira se nossas lideranças políticas e empresariais tiverem a humildade de estudar a história, a economia e perceber a próxima onda.
A onda da industrialização já passou. A onda atual, que está terminando, é a da informação / comunicação. Será a biogenética a próxima onda ? Como poderá Limeira detectar a próxima onda e planejar para nela embarcar ?

Analisar o passado sem questionar os erros e acertos é mera admiração da história. Faz-se mister que sigamos os exemplos dos empreendedores do passado sem, contudo, nos esquecermos de que os tempos são outros, a concorrência é muito maior, não há proteção contra importados, pois isto gera inflação e a proteção contra importados nos torna preguiçosos.

Muitos poderão discordar dos pontos de vista aqui apresentados, mas não é possível ignorar fatos: a Limeira dos anos 50 /60/70 oferecia muito mais oportunidades ao trabalhador do que a Limeira atual. Naquela época era comum o governador do estado vir a Limeira prestigiar desde a Facil até bailes de debutantes. Não sou saudosista, mas reconheço que já estivemos em melhor situação e posso compreender que não nos falta empreendedores, talvez nos falte planejamento e alinhamento, dois itens que eram importantes naqueles tempos e como não nos servimos deles naquele momento, hoje estamos como estamos.

Olhemos para o futuro tendo os erros e acertos do passado a nos guiar no planejamento que deve ser feito no presente.